Não sei há quantos anos, vi na RTP2 um documentário sobre o Glenn Gould, já bem acabado, e fiquei, contra os meus planos dessa noite, especado contra a o ecrã. Aquilo era um pouco opressivo, o canadiano solitariamente agarrado ao telefone; depois, aparecia sentado ao piano, de onde se soltavam aquela notas do Bach.
Muito melhor que eu, diz Manuel de Freitas: Talvez tudo fosse diferente / se o mundo tivesse começado tão bem / como as variações Goldberg («BWV988», [SIC], Lisboa, 2002), ou, também este, que reencontrei agora quando procurava a referência deses versos:
GOULD, 1981
Deixo-vos isto
em morte.
dedos como nunca mais,
o que demasiado sabemos
-- por falta de saber,
por nada.
Mostrei, com extremo vagar,
o inventor de Deus,
um homem como eu.
Não, não é bem assim.
Não há homens como eu.
prefiro a noite
de que sou feito
e fujo.
Canadiano, morto,
quase posso jurar que existi.
Manuel de Freitas, Büchlein für Johann Sebastian Bach, Lisboa, 2003.
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